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Jovens do Assentamento 10 de Abril estreiam apresentação de teatro

O grupo de jovens da comunidade formou o “raízes e frutos do caldeirão”, que relembra a história local de luta de seus pais e avós

“Somos raízes e frutos do caldeirão”, afirmação entoada na voz dos jovens do Assentamento 10 de Abril, que hoje formam o grupo Raízes e Frutos do Caldeirão, reunindo adolescentes e crianças da comunidade que é resultado de uma ocupação no ano de 1991. Os moradores de lá chegaram ao Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, comunidade histórica, comandada pelo beato José Lourenço, que no começo do século passado recebeu centenas de romeiros e refugiados da seca.

Anos depois da desocupação pelo Exército Brasileiro, em 1937, o Caldeirão foi ocupado novamente, no ano de 1991. Mais uma vez, com muita luta e resistência, as pessoas de lá conseguiram reassentar nas terras que hoje é conhecida como Assentamento 10 de Abril, data da conquista do lugar. É esta história que o grupo de jovens da comunidade apresentou no espetáculo “Raízes e Frutos do Caldeirão”, formado há dois meses.

O grupo reuniu 24 pessoas, destas cinco são crianças. A ideia de formar o grupo veio no diálogo entre a ACB e a comunidade do Assentamento 10 de Abril, que já tinha um trabalho com jovens. As oficinas do projeto “Jovens Familiares Produzindo no Cariri” foi o pontapé inicial do “Raízes e Frutos do Caldeirão” e a chegada do artista cratense João do Crato foi importante nesse processo.

Convidado pela entidade, João abraçou os jovens locais e iniciou um diálogo com o grupo, identificando suas perspectivas sobre a apresentação que iriam criar. Em julho começaram os ensaios, mas antes disso, todo um processo de estudo da história local foi realizado. “Eles tinham uma carência de uma coisa que eles se identificassem mais. Essa coisa de mexer com o corpo, cantar, tocar um instrumento. Os tambores improvisados já estavam lá. Eles já tinham tentado transformar, colocar couro. Eu disse “Não, não vai precisar. Vamos tocar com ele assim. Vamos começar a criar nosso batuque próprio”, explica João.

No início, superando um pouco de timidez, os jovens foram participando, opinando e criando o espetáculo. “Ninguém queria falar nada, dar uma opinião, mas depois que João foi chegando, conhecendo os jovens, se tornando amigo, aí fomos se abrindo e conseguimos construir a peça junto com ele”, explica o morador do Assentamento e um dos membros do “Raízes e Frutos do Caldeirão”, José Antonio Carvalho. As músicas e textos, que descrevem a história do Caldeirão e do Assentamento 10 de Abril, foram produzidas pelos jovens durante as oficinas.

Até a estreia, no dia 19 de setembro, na comunidade de Brejinho, em Crato, o grupo passou dois meses com oficinas de teatro, batuque e dança. Além disso, os jovens selecionaram cânticos de domínio público, cantigas de trabalho e de reisado para utilizar na apresentação, enquanto João do Crato, também escreveu falas e Aparecida Oliveira, coordenadora pedagógica do projeto “Jovens Familiares Produzindo no Cariri”, trouxe um texto para refletir a história do caldeirão e da comunidade. “Este trabalho foi construído muito horizontalmente, a gente construiu ele de uma maneira bem harmoniosa e horizontal. Isso foi o grande lance. Eles estavam livres para dar opinião, expressarem o que eles achavam legal ou não. Foi tudo feito com muita conversa”, diz João do Crato.

Os jovens reproduzem o massacre ao caldeirão na sua apresentação

Este grupo de jovens da comunidade, com homens e mulheres, são filhos e filhas, netos e netas de pessoas que participaram da ocupação do Caldeirão, em 1991. Uma luta social intensa, época de grandes secas, coronéis e violência no campo. “Quando me convidaram, já imaginava, porque sei também que essa juventude que traz no seu DNA a luta de seus pais, de seus avós para ocupar aquela terra. Hoje, na estreia, podemos sentir o quanto estão empoderados com a história do Caldeirão e com a questão do fazer teatral”, diz o artista João do Crato.

O empoderamento, presente na apresentação, estão nas músicas de resistência, aprendidas com o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e cantadas na peça do grupo. “É com muito orgulho, enquanto jovem da comunidade, porque na peça a gente está demonstrando a história do Caldeirão e a história do assentamento. A nossa história, a nossa cultura. E isso é muito importante para o desenvolvimento dos jovens”, diz José Antonio, explicando que o grupo já chegou a realizar algumas apresentações em visitas do MST, mas sem a mesma organização ou contando a história local.

Na cultura, a região do Cariri é fervescente de ritmos, olhares e estéticas artísticas. O artista João do Crato, que é cantor e participa de grupos de maracatu, reisado, teatro e dança, é um destes exemplos de múltiplas possibilidades da região. “A gente está começando a mostrar para eles a importância dessa multiplicidade rítmica que é o Cariri. De você poder bater um tambor afro-brasileiro, indígena, um tambor que mostra toda a riqueza da nossa corporalidade. De poder dançar um coco, um baião, um xote, um xaxado, uma mazurca. Isso eu estou vendo ser despertado nesse grupo”, completa João.

A estreia, não só é um marco do início das apresentações, mas também espanta a desconfiança. Carol Tomaz, 13 anos, lembra que as famílias dos jovens do grupo acompanharam até o último ensaio, no dia anterior à estreia. “De quinze em quinze dias a gente se reunia. Depois que eles (os pais) viram os ensaios e perceberam que ia para a frente, começaram a ir”, diz a adolescente, que assim como muitos outros componentes do grupo, principalmente as crianças, foram conhecendo a história local durante os ensaios.

Segundo João do Crato, o projeto “Jovens Familiares Produzindo no Cariri” é uma oportunidade importante para a juventude do campo, pois combate uma ferida que é o êxodo rural. Isso estimula também as crianças que, segundo o artista, já aparecem nos ensaios cantando, mesmo sem participar efetivamente do grupo. “Acho que isso tem futuro. Esse projeto tem que continuar. Termina o projeto da ACB, mas fica as “Raízes e Frutos do Caldeirão”, essa semente que foi plantada pelo projeto e eu sei que vai dar fruto muito saudáveis e maravilhosos. As pessoas estão prontas para a transformação. É só oportunizar. A juventude está precisando se empoderar. Ela está precisando entender que o campo é o lugar saudável de se viver”.

A apresentação tem cerca de 35 minutos, com músicas, danças, batuques, palavras de ordem dos movimentos sociais, além de cenas que retratam a ocupação do Caldeirão pelos moradores do Assentamento 10 de Abril. O “Raízes e Frutos do Caldeirão” se apresentou em Brejinho, no Crato. Em seguida, foi até a Romaria das Comunidades, no Caldeirão da Santa Cruz, no dia 20 de setembro, fazer o espetáculo para os romeiros do beato José Lourenço. Já a terceira apresentação será em Nova Olinda, dia 3 de outubro, no sítio Zabelê.

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